Coronavírus

Nexo Jornal: Quais os dilemas na volta às aulas na cidade de São Paulo

Atualizada em 18/01/2021 23:45

Artigo do Nexo Jornal, publicado em 17/01/2021

Isabela Cruz 17 de jan de 2021(atualizado 17/01/2021 às 21h50)

 

A prefeitura de São Paulo anunciou na quinta-feira (14) que escolas da rede privada estão liberadas a retomar as aulas presenciais, para todas as idades, a partir de 1º de fevereiro. A rede pública também será reaberta para o planejamento de professores, mas o início das aulas será em 15 de fevereiro. O ensino médio, em escolas públicas e particulares, já estava liberado na capital desde novembro de 2020.

A decisão do prefeito Bruno Covas (PSDB) acontece num momento de agravamento da pandemia no país, inclusive em São Paulo, e depois de 10 meses de fechamento de quase todas as escolas da cidade. As aulas presenciais foram suspensas em março de 2020, mês em que a pandemia foi decretada pela Organização Mundial da Saúde.

No domingo (17), a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou o uso emergencial das vacinas da Sinovac e da AstraZeneca/Oxford. A campanha de imunização no estado de São Paulo deve começar na segunda (18), mas as doses disponíveis em janeiro devem alcançar apenas uma parcela do primeiro grupo prioritário, que não inclui professores.

Outras capitais já tinham liberado as aulas presenciais, inclusive para o ensino básico e fundamental. Em Porto Alegre, por exemplo, a prefeitura autorizou a retomada nas redes pública e privada em outubro de 2020.

Já no Rio de Janeiro, a liberação se restringiu à rede privada. Depois de disputas judiciais desde agosto de 2020, os alunos de diversas escolas particulares retomaram as aulas em outubro. Com o aumento do número de casos de covid-19 na cidade, porém, alguns colégios decidiram retornar ao ensino remoto. O protocolo para a volta da rede municipal deverá ser apresentado nas próximas semanas.

A retomada na capital paulista
EXTRACURRICULARES

Em 7 de outubro de 2020, a prefeitura autorizou atividades extracurriculares nas escolas públicas e privadas, aproveitando que o governo estadual, no mesmo dia, tinha liberado os municípios para tomarem a medida. Mas houve limitações: ocupação máxima de 20% da capacidade de alunos em cada unidade escolar, frequência de no máximo duas vezes por semana e limite de duas horas de atividades por dia.

ENSINO MÉDIO

A prefeitura liberou as aulas regulares para o ensino médio a partir do dia 3 de novembro, após a autorização estadual. A presença dos alunos tem sido facultativa. Os ensinos infantil e fundamental seguiram apenas com as atividades extracurriculares, como aulas de reforço e acolhimento, música e esportes individuais.

SERVIÇO ESSENCIAL

Em meados de dezembro, o governo estadual incluiu a educação básica na lista de serviços essenciais. Com isso, a prefeitura ficou autorizada a liberar as aulas para as crianças mais novas mesmo num cenário de agravamento da pandemia e de imposição de medidas mais restritivas de distanciamento social.

Como será a volta
Pelo Plano São Paulo, feito pelo governo estadual de João Doria (PSDB), mesmo cidades na fase vermelha (quando a gravidade da pandemia é maior) devem liberar o funcionamento das escolas. O que varia de fase para fase é a porcentagem de ocupação das salas de aulas autorizada.

Até segunda-feira (18), a capital do estado estava na fase amarela. Isso permite às escolas paulistas, segundo o plano estadual, funcionar com ocupação de até 70%. A implementação da retomada é feita pelos governos municipais, mas o governo do estado tem afirmado que acionará a Justiça para contestar prefeituras que, sem justificativa epidemiológica, deixarem de seguir o plano estadual.

Na capital, a prefeitura adotou a retomada, mas em percentual menor do que o autorizado pelo estado. Se a demanda dos alunos por vagas extrapolar o limite de ocupação, haverá rodízio, segundo a secretária-adjunta de Educação, Minéia Fratelli.

35% é a capacidade máxima em que as escolas da cidade de São Paulo estarão autorizadas a funcionar

Em cada uma das 28 áreas de vigilância sanitária do município uma “escola sentinela” vai ser escolhida para ser acompanhada durante 14 dias por profissionais de saúde. Os dados sobre alunos, funcionários e pais dessa instituição serão a referência do índice de contaminação naquela região e irão definir as próximas decisões da prefeitura.

Segundo a prefeitura, o retorno às atividades presenciais será obrigatório apenas para os professores, excluídos da obrigação os que tiverem comorbidades ou mais de 60 anos. Para os alunos, da rede municipal e da rede privada, a volta será facultativa. Aqueles que preferirem se manter em casa continuarão com o ensino remoto. A prefeitura promete a entrega de 465 mil tablets, anunciada desde agosto de 2020, até abril de 2021.

A facultatividade autorizada pela prefeitura, porém, conflita com a determinação do Conselho Estadual de Educação de que um terço da carga horária deve ser, obrigatoriamente, presencial. Prefeitura e governo estadual deverão solucionar essa divergência.

A determinação do conselho estadual, que ainda depende de homologação do secretário municipal de Educação para valer, abrange as escolas públicas geridas pelo governo estadual e todas as escolas particulares do estado. Ficam de fora apenas as escolas públicas geridas pelos governos municipais (submetidas aos conselhos municipais).

Os argumentos para a volta
A retomada das aulas presenciais estava sendo cobrada da prefeitura havia meses. As pressões partiam de pediatras, escolas particulares e pais de alunos, além do Ministério da Saúde — cuja atual gestão sempre foi contra a paralisação das atividades econômicas.

Entre os argumentos, estão a constatação científica de que o afastamento do ambiente escolar causa prejuízos a crianças e adolescentes em âmbitos como rendimento escolar, desenvolvimento das capacidades sociais, vínculo aluno-professor, importante para a aprendizagem, e saúde mental.

No cenário brasileiro especificamente, as dificuldades se avolumam para grande parte dos alunos, que não têm computador ou boa conexão de Internet em casa. O ensino remoto fica concentrado nas parcelas mais ricas da população, acentuando a desigualdade social. Para os mais pobres, o impacto chega a ser nutricional, já que muitas crianças costumavam ter, na escola, sua refeição mais equilibrada do dia.

Em meados de dezembro, um pequeno grupo de donos de escolas particulares da capital paulista, identificados como “Movimento Escolas Abertas”, fez um protesto em frente à casa de Covas pedindo a reabertura das escolas na cidade no início de fevereiro, conforme autorizado pelo governo estadual.

Também em dezembro, um grupo de mães e pais de grandes colégios particulares reuniu mais de 8.000 assinaturas num manifesto, incluindo pais de alunos da rede pública, e acionou a prefeitura na Justiça, pedindo o retorno das aulas presenciais.

A comparação internacional também estava impulsionando a retomada. Em setembro, um relatório anual da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), reunindo estatísticas educacionais de mais de 40 países, destacou que o Brasil foi um dos países mais refratários a retomar as aulas presenciais. A maioria dos afiliados à organização reabriram suas escolas até julho de 2020.

A partir de meados de novembro, porém, diante do agravamento da segunda onda de infecções na Europa, países que tinham deixado as escolas abertas — mesmo com a imposição de restrições a outros setores — passaram a fechar as escolas também. Foi o caso, por exemplo, de Áustria, Grécia, Alemanha e, mais recentemente, Reino Unido.

A insatisfação dos professores
O Sinpeem (Sindicato dos Professores em Educação no Ensino Municipal) é contra a reabertura num momento de agravamento da pandemia e considera a decisão da prefeitura precipitada.

Segundo o presidente do sindicato, Claudio Fonseca, os professores foram pegos de surpresa pelo anúncio da retomada, uma vez que esperavam uma nova reunião de planejamento com o secretário municipal de Educação, Fernando Padula, no dia 20 de janeiro.

Cobranças para a rede pública
 

PRIORIDADE NA VACINAÇÃO

No dia 7 de janeiro, numa primeira reunião com o novo secretário municipal de Educação, Fernando Padula, o Sinpeem já tinha informado sua contrariedade ao retorno antes de finalizada a primeira fase de vacinação, anunciada para começar em São Paulo a partir do dia 18 de janeiro. Os professores cobram da prefeitura que seja negociado com o Ministério da Saúde incluí-los nessa primeira fase, entre os grupos prioritários.

INFRAESTRUTURA

O sindicato também cobra da Secretaria Municipal de Educação a apresentação de providências que foram tomadas em cada unidade escolar para se garantir o cumprimento do protocolo sanitário apresentado pela própria secretaria em setembro de 2020. A gestão Covas anunciou a compra de 760 mil kits de higiene, com máscaras, sabonetes e uma caneca para cada aluno, além de termômetros e protetores faciais. Mas os professores querem mais detalhes sobre as mudanças estruturais feitas em cada escola.

PLANEJAMENTO REMOTO

Pelos planos da prefeitura, as escolas da rede municipal irão funcionar do dia 1º ao dia 15 de fevereiro apenas para o planejamento dos professores. O sindicato defende que a organização inicial pode ser feita em três dias e de forma remota, sendo desnecessária a exposição dos professores ao risco de contaminação no deslocamento e na própria escola.

Na rede estadual, os professores não abrem mão da vacina. A Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) ameaça entrar em greve, se as aulas presenciais começarem sem que eles recebam o imunizante.

Sobre a greve, o sindicato da rede municipal havia se posicionado de forma cautelosa no início de janeiro de 2021.

O SinproSP (Sindicato dos Professores de São Paulo), que reúne os docentes da rede privada, também exige que os profissionais da educação façam parte do grupo prioritário de vacinação. O sindicato também cobra providências a serem tomadas ao longo do ano, enquanto a pandemia não acabar.

Cobranças para a rede privada
 

FISCALIZAÇÃO

O SinproSP cobra das autoridades públicas não apenas o estabelecimento de normas de funcionamento, mas também uma efetiva fiscalização. Os professores de escolas particulares reclamam que, em 2020, "foi dada ampla liberdade de atuação aos estabelecimentos privados", sem o supervisionamento do poder público.

TESTAGEM

Outra exigência do sindicato é que as escolas particulares sejam obrigadas a realizarem testes para a covid-19 em seus estudantes e trabalhadores.

CARGA

O sindicato também destaca a necessidade de que os professores sejam ouvidos a respeito de suas necessidades na relação de trabalho, considerando que o modelo de retorno, com sistema de rodízio de alunos e coexistência de aulas presenciais e remotas, demandará grande esforço do corpo docente.

A volta sem um cumprimento rígido de protocolos também preocupa epidemiologistas. Apesar de estudos indicarem que crianças são menos vulneráveis à covid-19, a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) aponta que, no país, 9,3 milhões de idosos ou adultos com algum fator de risco para a doença residem com uma criança em idade escolar. Em São Paulo, segundo a gestão Covas, 25% das crianças convivem com idosos.

 

.