Editorial

Sustentar financeiramente, fortalecer politicamente

Atualizada em 21/09/2023 13:19

Vale sempre perguntar: a quem, afinal, interessa ter sindicatos frágeis e sem dinheiro?

O golpe de 2016, que conduziu Michel Temer ao poder, tinha um objetivo claro: o desmonte da rede de proteção social construída a duras penas nos treze anos anteriores, a partir do primeiro mandato do presidente Lula. Esse alerta, aliás, foi feito pela própria presidenta Dilma Rousseff, em seu discurso na sessão do Senado realizada em 31 de agosto daquele ano: “o golpe não foi cometido apenas contra mim e contra o meu partido. Isto foi apenas o começo. O golpe vai atingir indistintamente qualquer organização política, progressista e democrática”.

E assim foi feito. Não por acaso, um dos primeiros movimentos da sanha neoliberal e conservadora foi atacar os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras para enfraquecer a representação sindical, com a aprovação da chamada reforma trabalhista no Congresso Nacional, por meio de projeto encaminhado para tramitação no início de 2017 e que passou a valer como lei já em novembro daquele mesmo ano.

A pretexto de “modernizar” as relações de trabalho, a reforma não apenas asfixiou financeiramente os Sindicatos, mas flexibilizou a contratação e levou à legalidade os acordos individualizados, em uma relação de poder intrinsecamente desigual, que resultou em redução sem precedentes na taxa de sindicalização, constatada pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad contínua), divulgada recentemente: os 14,4 milhões de trabalhadores sindicalizados (16,1% dos ocupados) despencaram para 9,1 milhões (menos de 10% dos ocupados) em dez anos. 

Portanto, essa conjuntura – e seus desdobramentos - indicam que é relevante o debate sobre a sustentação financeira dos Sindicatos, pauta que tem ocupado manchetes jornalísticas (por vezes enviesadas) nas últimas semanas, considerando ainda nesse cenário mais recente a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que julgou constitucional, por dez votos a um, a possibilidade da adoção de uma contribuição universal (assistencial) a ser cobrada também de trabalhadores não sindicalizados.

Trata-se de uma conversa que deve ser travada com maturidade e responsabilidade, no tempo certo e sem atropelos, a partir da constatação das consequências maléficas (e deliberadas) produzidas pela “reforma” trabalhista aprovada no governo Temer, principalmente a asfixia financeira dos sindicatos, a partir do fim do imposto sindical, sem oferecer qualquer alternativa democrática que pudesse substituí-lo (já naquela época, havia outras propostas defendidas pelo movimento sindical, nem sequer consideradas). 

Vale lembrar que o imposto sindical, pago compulsoriamente por todos os trabalhadores, representava a independência econômica e financeira para grande parte dos sindicatos, já que permitia manter uma estrutura para atender o conjunto dos representados, uma vez que, por preceito constitucional, as Convenções ou Acordos Coletivos de Trabalho são aplicados a todos os trabalhadores e trabalhadoras, sindicalizados ou não.  O valor do imposto correspondia a um dia do salário, descontado no mês de março, ou seja, 3,33% daquela remuneração mensal, percentual que era em seguida distribuído para a estrutura de representação sindical: sindicatos, federações, confederações, centrais sindicais. Para o sindicato, cabiam 60% desse montante, ou seja, 2% do salário do mês de março.

Justamente para não ficar na dependência exclusiva dos recursos do imposto sindical, a assembleia de previsão orçamentária do SinproSP, no ano de 1998, aprovou a estratégia proposta pela então diretoria que, além de financeira, tinha um caráter político: investir maciçamente na sindicalização e, enquanto perdurasse o imposto sindical, não propor outra contribuição qualquer, além da mensalidade associativa: 12 parcelas mensais de 1% do salário, descontadas no holerite. A diretoria assumiu também, naquela mesma assembleia, o compromisso de ainda devolver compulsoriamente aos sócios e sócias o valor do imposto, não cobrando as três primeiras mensalidades de cada ano.

Essa decisão foi seguida a partir de então, levando o SinproSP, nas últimas décadas, a tornar-se uma das (poucas) entidades sindicais do setor privado com elevados índices de sindicalização: aproximadamente 35% da base de representados e representadas, o que significa representativa força política. O patrimônio da categoria aumentou, com a aquisição de imóveis, por exemplo, e foi constituído um considerável fundo financeiro de reserva, fruto da seriedade e honestidade das diretorias que se seguiram, no trato zeloso com o dinheiro público, e mesmo com a renúncia a outras arrecadações compulsórias.

Por conta dessa estratégia, enquanto muitos sindicatos enfraqueceram-se politicamente e foram obrigados a reduzir a prestação de serviços, demitindo funcionários, ou até mesmo fechando as portas, atingidos de morte, sem prévio aviso, pela medida intencionalmente perversa de Temer, a diretoria do SinproSP, nas assembleias de previsão orçamentária que se seguiram a partir de 2017, teve condições de se pronunciar firmemente pela continuidade do trabalho político em defesa das conquistas e da assistência legal trabalhista. Sem escorregar na precarização do trabalho ou no sucateamento de serviços, propôs recorrer aos recursos financeiros que tinham sido poupados pelas gestões da entidade ao longo das últimas duas décadas, o chamado fundo de reservas, para cobrir o inevitável déficit provocado pela ausência do dinheiro do imposto sindical; nessa jornada, obteve o apoio irrestrito da categoria, como ocorreu na assembleia de 2018, ano em que os patrões do ensino básico promoveram ataques insanos à Convenção Coletiva. 

Para que se tenha a dimensão mais precisa dos impactos financeiros da perversa reforma nas contas do SinproSP: em 2017, a arrecadação do imposto sindical (R$6 milhões) representava um terço das receitas da entidade, enquanto em 2018 (R$800 mil) não chegava a 5%, ou seja, num curtíssimo período de apenas dois anos, o Sindicato viu despencar sua receita.

É fundamental destacar ainda que, ao longo dos últimos seis anos, sempre considerando o pós-reforma, o aumento de arrecadação não correspondeu ao esforço significativo feito na direção da ampliação da base de sindicalizados e sindicalizadas, pois o novo arcabouço legal neoliberal de 2017 dificultou, também não por acaso, a cobrança - e abriu a possibilidade de parte das escolas, premeditada e perversamente, negarem-se a descontar e repassar ao Sindicato as mensalidades dos sócios e das sócias. Consolidou-se, assim, uma situação paradoxal: o número de sindicalizados aumentou consideravelmente, ano a ano, mas a arrecadação das mensalidades não cresceu na mesma proporção.

“Foram justamente as reservas que conseguimos guardar e o patrimônio construído ao longo dos anos que nos permitiram enfrentar esses tempos difíceis”, reforçou Celso Napolitano, presidente do SinproSP (tesoureiro na gestão anterior), na assembleia ordinária realizada em junho último, quando as contas da entidade, ano-base 2022, foram aprovadas por representativos 91% das e dos participantes. “Com o apoio da categoria, mantivemos empregos das trabalhadoras e trabalhadores do SinproSP e os afastamentos de diretoras e diretores para o trabalho de base, ampliando ainda os serviços oferecidos e consolidando a qualidade deles”, completou. Ele, no entanto, não deixou de manifestar naquela ocasião a preocupação da diretoria com o déficit registrado em 2022, que chama a atenção e reforça a necessidade imediata de refletir sobre a fundamental pauta agora proposta também pelo governo. 

É tempo de aprofundar a discussão a respeito de estratégias e mecanismos para reorganizar e garantir a sustentação financeira dos sindicatos, em sentido amplo, e também do SinproSP, especificamente falando. 

No mundo real, afinal, o das duras disputas, muitas lutas e mediações políticas, os desafios são extremamente complexos. Administrar uma entidade com o tamanho e a história do SinproSP não é para amadoras e amadores. São 50 mil docentes em todos os níveis de ensino, 20 mil sindicalizados e sindicalizadas, contando quem está na ativa ou já se aposentou – um contingente de pessoas maior que a população de centenas de cidades brasileiras. Não há espaço para brincadeiras ou difamações. Tampouco cabem frases de efeito descontextualizadas e ilações sem fundamento sobre a sustentação financeira do Sindicato, que apenas buscam engajamentos vazios nas redes sociais. Quem abraça narrativas simplórias e oportunistas, enviesando e distorcendo dados e fatos, ajuda a demonizar os sindicatos – e faz o jogo dos patrões. Participar de um debate e processo de construção tão importantes exige firmeza e experiência - e cobra serenidade nas reflexões e seriedade de ações. 

Exatamente por ter responsabilidade e os pés firmes nesses propósitos, sem tabus, sempre com responsabilidade, a diretoria do SinproSP avalia que o momento, portanto, é de aprofundar e qualificar esse debate sobre a sustentação financeira das entidades sindicais, acompanhando a construção do projeto que deverá ser levado pelo governo ao Congresso. O movimento sindical precisa ter voz ativa e protagonista nesse processo. Esse é mais um compromisso assumido pela diretoria do SinproSP.

.