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O 8 de março e a luta das mulheres brasileiras

Atualizada em 06/03/2024 11:57

(*) Sandra Caballero, professora de História e de Sociologia e diretora do SinproSP


Ninguém, minimamente consciente, nega que o Brasil é um país extremamente machista. E as raízes desse machismo estão na nossa história colonial.

A maioria dos colonos portugueses que aqui chegaram eram do sexo masculino. Com poucas mulheres brancas à disposição, se relacionavam com indígenas e africanas que, na condição de escravizadas, não tinham escolha, nem autonomia sobre os próprios corpos. Sendo assim, a miscigenação brasileira é fruto da violência sexual. Não por acaso, estamos entre os países mais perigosos para uma mulher viver, e as maiores vítimas continuam sendo as mulheres negras. O Brasil, atualmente, ocupa o quinto lugar no ranking mundial de feminicídios, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH)

As mulheres brancas chegavam ao Brasil já com o casamento arranjado, muitas se casavam por procuração, outras eram oriundas de orfanatos e, ao atingir a maioridade, eram enviadas ao Brasil para se casarem com um desconhecido. O papel dessas mulheres era o de esposa e mãe; se tinham um status superior às mestiças, indígenas e africanas, também eram vítimas de uma estrutura machista. Sobre as meninas órfãs, vale a pena ler o romance de Ana Miranda, Desmundo, que virou filme em 2002.

É claro que, ao longo da história, mulheres romperam o cerco e tiveram participação ativa. O caso de nossa independência é simbólico, a imperatriz Leopoldina, a filha de fazendeiro, Maria Quitéria, a madre Joana Angélica e a liberta Maria Felipa, tiveram um papel destacado.

No século XIX, surgem os primeiros grupos de defesa dos direitos das brasileiras, graças à chegada de imigrantes que trouxeram consigo as ideias anarquistas e comunistas; assim, as operárias introduziram suas pautas de reivindicações no bojo da organização da luta operária, na incipiente indústria local. Mas é preciso lembrar que o machismo está presente também na classe trabalhadora. Vários operários concordavam com o fato de mulheres receberem salários menores que os homens. E, ainda hoje, a luta por creches é tratada como questão feminina.

No início do século XX, há uma divisão do movimento feminista, surgindo uma corrente mais conservadora, chamada de feminismo “bem-comportado”, formada por mulheres das camadas médias, que buscavam direitos políticos, sem questionar a sociedade capitalista e suas estruturas de exploração. De outro lado, um feminismo mais radical, que buscava inspiração nas ideias revolucionárias de esquerda e fazia uma crítica ao sistema. 

Os diferentes feminismos são perceptíveis ainda hoje, com as denominações de liberal, identitário ou revolucionário, entre outras. Trata-se de um reflexo das diferentes demandas de uma sociedade extremamente injusta como a nossa. Essa situação provoca algumas incoerências, como a de mulheres de elite ou camadas médias que reivindicam igualdade de direitos, mas exploram a mão-de-obra de empregadas domésticas ou de trabalhadores em suas empresas.

Fazendo um pequeno histórico das conquistas das mulheres brasileiras, em 1827, as meninas ganham a permissão de frequentar escolas. Aqui, vale lembrar que são meninas de elite, afinal a escola pública só irá ganhar corpo a partir de 1930, com a subida de Getúlio Vargas ao poder. Segundo o censo de 1872, 69% da população era de analfabetos.

Em 1832, a autora Nísia Floresta publica o livro “Direitos das Mulheres e Injustiças dos Homens”, considerado um marco do feminismo brasileiro, que contesta a superioridade masculina e defende as mulheres como seres inteligentes e capazes de uma vida autônoma.

Pode parecer algo absurdo, mas temos que lembrar que as mulheres, nesse período, eram consideradas incapazes e totalmente submissas aos homens, que usavam da dependência financeira como uma forma de controle. Afinal, a mulher não tinha direito à herança e só poderia trabalhar com autorização do pai, marido ou responsável.

Em 1879, as mulheres obtêm o direito de frequentar a universidade, mas, se hoje somos 51% nos cursos de graduação e 56%, na pós-graduação, esse foi um caminho lento, a permissão da lei não mudou o machismo estrutural e as barreiras invisíveis ainda tinham que ser derrubadas. Hoje, o nosso desafio é acabar com o senso comum de que existem profissões femininas e masculinas. Por exemplo, nos cursos de TI, as mulheres são apenas 16%; já nos de Pedagogia, a presença feminina chega a 90%.

Em 1920, nasceu o primeiro partido de mulheres, o Partido Republicano Feminino, que representava o movimento sufragista que se espalhava pelo mundo. O direito ao voto, em todo o Brasil, viria em 1932, antes de países como França, Suíça e Japão. No entanto, em 2024, a participação de mulheres na Câmara de Deputados é de 17,7%, e apenas 16% no Senado.

Em 1962, foi criado o Estatuto da Mulher Casada, que deu às mulheres o direito à herança e a pleitear a guarda dos filhos em caso de separação, além disso, não era mais necessário a autorização masculina para obter um emprego.

Nos anos 60, a pílula anticoncepcional chega ao Brasil, o que vai impactar a vida sexual das mulheres. Lembrando que, nessa década, a grande bandeira do movimento feminista era a liberdade sexual e o direito à reprodução consciente. A mulher começa a ter o controle sobre o seu corpo e sua sexualidade.

Em 1974, mais um passo em direção à autonomia financeira: a mulher ganha o direito de portar um cartão de crédito. É sempre bom lembrar o quanto o poder econômico é usado para manter uma relação de controle sobre as mulheres, não existe liberdade possível sem a possibilidade de sobreviver sem a tutela masculina.

Em 1941, o presidente Vargas, em cujo governo as mulheres adquiriam o direito ao voto, havia proibido a prática de uma série de esportes, entre eles o futebol. É dele a frase, “Pé de mulher não foi feito pra se meter em chuteiras!”. A lei só é revogada em 1979. Mas, as mulheres sempre desafiaram esse decreto absurdo, praticavam vários esportes e ocupavam os campos de várzea em todo o país. Hoje, temos a Marta, a melhor jogadora de todos os tempos.

Finalmente, a Constituição de 1988 passa a reconhecer a igualdade de direitos entre homens e mulheres, mas sabemos que entre o que diz a lei e a realidade, há um abismo.

Entre tantas outras questões, talvez a mais urgente seja o enfrentamento à violência contra a mulher no Brasil. Não ficarei citando dados, eles são de domínio público, e podemos falar, sem medo de errar, em uma epidemia. Atento a isso, o SinproSP lançou, e disponibiliza para toda a sociedade, a cartilha “Violência Contra a Mulher – Conhecer para Combater”.

Algumas leis tentam enfrentar esse quadro trágico, mas acima de tudo, temos que mudar as estruturas de uma sociedade que se fundou no machismo, racismo, homofobia e classismo, em que a garantia do poder branco e masculino se deu com o amplo uso da violência, muitas vezes institucional.

Para lembrar algumas vitórias: em 2006 é sancionada a Lei Maria da Penha; em 2015, a Lei do Feminicídio; e em 2018, a importunação sexual feminina passou a ser crime.

Talvez, o ponto mais importante desse artigo é o de mostrar que as conquistas foram frutos da luta e sacrifício de muitas mulheres, nenhuma lei ou mudança comportamental ocorre por concessão masculina, mas da articulação feminina na defesa de seus interesses. Por isso, é preciso fortalecer esse processo, que está vinculado à luta contra o racismo, contra a homofobia, contra o trabalho precário; em última instância, contra o capitalismo.

Os homens também precisam se juntar a esse movimento, não como protagonistas, mas entendendo que uma sociedade mais justa e igualitária é uma construção coletiva, da qual todos se beneficiam.

Para saber sobre a história do 8 de março
https://sinprosp.org.br/noticias/5069


Para acessar a Cartilha Violência Contra a Mulher
https://www.sinprosp.org.br/upl/arq/cartilha%20viole%CC%82ncia%20contra%20mulher_SINPROSP.pdf


Fontes:
https://nossacausa.com/conquistas-do-feminismo-no-brasil/
https://g1.globo.com/economia/censo/noticia/2023/07/02/infografico-mostra-evolucao-do-brasil-desde-o-primeiro-censo-em-1872.ghtml
https://comunica.ufu.br/noticias/2024/02/mulheres-sao-maioria-na-universidade-mas-minoria-em-gestao-e-docencia-superior
https://sagresonline.com.br/no-brasil-mulheres-representam-apenas-165-dos-estudantes-em-cursos-de-ti/#
https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2023/03/03/presenca-de-mulheres-no-congresso-brasileiro-e-inferior-a-media-mundial.htm#:.
 

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