Educação básica

Na mira das falsas cooperativas

Atualizada em 09/06/2006 16:42

Por Francisco Bicudo

“Cooperativa de trabalho é a sociedade constituída por trabalhadores, visando o exercício profissional em comum, para executar, com autonomia, atividades similares ou conexas, em regime de autogestão democrática, sem ingerência de terceiros, com a finalidade de melhorar as condições econômicas e de trabalho de seus associados”. Essa definição corresponde ao artigo 2º do projeto de lei divulgado pelo governo federal no início de maio que tem como principal objetivo regulamentar o funcionamento das cooperativas de trabalho no Brasil.

O projeto (PL 7009/06) - que tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados – pretende coibir a ação das “pseudocooperativas”, empresas que utilizam apenas a nomenclatura de cooperativa para desrespeitar a legislação trabalhista. Prática, aliás, já considerada irregular. Por isso, na análise do coordenador do Departamento Jurídico do SINPRO-SP, José João Sady, a iniciativa, não deverá ter efeitos práticos, pois acaba reforçando regras que já existiam, sem se preocupar com a fiscalização daqueles que se aproveitam de brechas para ignorar a legislação. “As cooperativas acabaram se transformando em instrumentos poderosos e muito interessantes para os patrões. Eles passam a contratar associações de profissionais, que se submetem a trabalhar sem carteira assinada. Trata-se de uma fraude institucionalizada”, condena.

O jurista lembra que a preocupação dos trabalhadores em se organizar em cooperativas é muito antiga, e tinha como princípio básico original a garantia de independência e de soberania diante dos desmandos patronais. “Seria um grupo de pessoas, com formações semelhantes, que se reuniriam para prestar serviços, de forma autônoma, podendo dividir os lucros e compartilhar os benefícios obtidos a partir dessa atividade coletiva”, explica.

Nesse sentido, a proposta guarda forte caráter simbólico, pois representaria a libertação para alguns segmentos organizados dos trabalhadores, que poderiam passar então a decidir como, por que, por quanto e quando usar o seu potencial e capacidade de produção. O neoliberalismo soube aproveitar-se da situação de desemprego estrutural e da precarização das relações de trabalho para subverter a lógica desse símbolo, colocando também as cooperativas como mais um instrumento de maximização dos lucros dos empresários.

Sady conta que, no caso específico da educação, há muitas escolas que estão obrigando os professores a se associarem a determinadas cooperativas, contratadas depois pela própria escola, como subterfúgio para escapar da exigência de cumprimento das leis trabalhistas. “O professor continua subordinado a um patrão, recebe ordens, não define horários, não decide sobre projetos pedagógicos. Não existe, portanto, a autonomia, característica marcante de uma cooperativa”, reforça o especialista.

Pior: por conta desse regime de trabalho, e graças à ausência de contrato e de registro em carteira, o professor não tem direito a férias, 13º salário, adicional noturno, recesso e todos os outros direitos previstos pela Constituição, pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) ou conquistados pela categoria. “A cooperativa apenas atende os interesses do dono de escola. O docente que compactua com esse cenário ajuda a legalizar o ilegal. E fica a ver navios”, lamenta Sady.

”Cooperfraudes”
O raciocínio é reforçado pelo economista Paul Singer, em artigo publicado no site do Ministério do Trabalho (texto em pdf). Ele escreve que, como resultado das profundas transformações sofridas pelo mercado de trabalho nos últimos anos, milhões de vagas de emprego assalariado e regular foram transformadas em postos autônomos, individuais, familiares ou coletivos. Para ele, esta é uma das origens do surto de cooperativas de trabalho. “Empresas criam cooperativas, com seus estatutos e demais apanágios legais, as registram devidamente e depois mandam seus empregados se tornarem membros delas, sob pena de ficar sem trabalho.

Os empregados são demitidos, muitas vezes de forma regular, e continuam a trabalhar como antes, ganhando o mesmo salário direto, mas sem o usufruto dos demais direitos trabalhistas. Estas são as falsas cooperativas, também conhecidas como cooperfraudes e outros epítetos. São cooperativas apenas no nome, arapucas especialmente criadas para espoliar os trabalhadores forçados a se inscrever nelas”, reforça o especialista. Não haveria espaço para a efetiva organização dos trabalhadores. “Seriam as cooperativas verdadeiras, frutos da livre vontade dos que nelas se associam, que não espoliam ninguém e que são criadas como armas na luta contra a pobreza”, responde Singer, em seu artigo. “No entanto, estas são muito raras entre os professores”, completa e lamenta Sady.

Ele admite que, nos últimos três anos, as cooperativas na área educacional se transformaram em uma verdadeira febre, proliferando-se de forma desenfreada – e sem controles efetivos. Para ele, esse é o maior problema do novo projeto de lei: não dar conta da fiscalização e da punição. “Quando recebemos denúncia contra qualquer cooperativa irregular, agimos em duas frentes. De um lado, notificamos o Ministério Público, que criou uma força-tarefa para combater esse tipo de irregularidade. Na outra ponta, entramos com ações diretas contra as cooperativas fraudulentas, com objetivo de fechar essas arapucas e de fazer valer o direito dos professores”.

Sady insiste no alerta: são relações ilegais, que se escondem sob a roupagem da legalidade. “É preciso que o professor tenha essa consciência e não se deixe enganar pelo canto da sereia”, conclui.

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